6 de outubro de 2010

Pesquisa e dramaturgia: a construção de personagens em Villa-Lobos, uma vida de paixão

     

O filme Villa-Lobos, uma vida de paixão (Zelito Viana, 1999) contou com a pesquisa de Claudia Furiati. Numa entrevista, Furiati apontou algumas situações vividas na sua experiência de pesquisa para o citado filme. Um filme histórico ficcional é bastante diferente de um documentário. Uma narrativa ficcional geralmente não pode simplesmente encadear fatos cronologicamente sem uma boa dramaturgia. É necessário um bom roteiro, um roteiro que conte uma boa história de forma interessante. E uma história interessante também passa pela construção de uma dramaturgia.
De acordo com Furiati, a pesquisa para um filme "..é uma pesquisa que visa a construção de um drama, ...visa a construção de uma narrativa e artística”. E a emoção é fundamental para a dramaturgia. Assim, “quando está fazendo uma pesquisa para um filme você tem que ir em busca da emoção. O que é que pode causar emoção? O que pode virar uma história visual?". A pesquisadora menciona o critério de seleção das “cenas”: na pesquisa da personalidade, é preciso estar atento aos momentos chaves da vida do personagem: “porque há encontros que revelam essa personalidade e outros que não a revelam em nada”. Tendo em vista esse objetivo, a pesquisadora foi procurando momentos considerados dramáticos para a narrativa.
Por outro lado, segundo Furiati, a pesquisa também desempenha um outro papel, fundamental, que é o de evitar erros muito absurdos. “Porque uma boa pesquisa, uma boa pesquisa profunda, que atinge exatamente o desejo daquele cineasta, [...] vai ser melhor, vai dar mais margem para ele fazer um filme melhor e mais histórico até, embora seja ficcional.”. Para ela, deve haver um compromisso por parte dos cineastas na criação do filme histórico, caso contrário, a própria realização de pesquisas não se justificaria.

28 de setembro de 2010

Conceitos e formas: possibilidades de construção de conceitos históricos em mídias audiovisuais

O debate sobre a inventidade da escrita histórica, e sua linguagem, abre espaço para refletir sobre outras formas de expressão de saberes históricos para além dos textos escritos. Tomando como base as reflexões de Peter Gay (GAY, 1990) que defende a íntima relação entre o estilo do historiador e a sua compreensão da história e associando às reflexões de Noel Burch (BURCH, 1992) que defende que o tema de um filme pode gerar formas, que forma e conteúdo não estão separados, analiso algumas possibilidades de escrita da história, a partir do cinema, tomando por base filmes brasileiros contemporâneos que abordam algum tema historiográfico.
Os elementos ficcionais não estão dissociados dos conceitos históricos que norteiam um filme. Para levantar essa reflexão e indicar uma linha de experimentação do meio audiovisual como forma de construção de conceitos históricos, levanto alguns exemplos em filmes que, se não podem ser tomados como exemplos acabados, podem indicar algumas possibilidades para o debate.
Dentre os exemplos analisados estão a narrativa fragmentada e os vários personagens em Sonhos Tropicais (André Sturn, 2002), o papel do cenário como espaço da memória em Cineasta da Selva (Aurélio Michiles, 1997), a montagem paralela e a mudança política em Mauá, o imperador e o rei (Sérgio Resende, 1999), o movimento de travelling como passagem de tempo em Carlota Joaquina, a princesa do Brazil (Carla Camurati, 1995), a cena “congelada” e o processo de criação de memória em Narradores de Javé (Eliane Caffé, 2004), o travelling circular e o círculo social em Baile Perfumado (Paulo Caldas e Lírio Ferreira, 1996) e, por último, a dramaticidade do segundo plano em O ano em que meus pais saíram de férias (Cao Hamburguer, 2006).
Não defendo a existência de uma linguagem pré-estabelecida e decodificada do cinema. As soluções encontradas e incorporadas em cada filme estão de acordo com as suas especificidades e fazem sentido no seu contexto. Levanto a questão como uma reflexão sobre a possibilidade de unir a linguagem cinematográfica e a construção de conceitos históricos de maneira criativa.

FONSECA, Vitória A. "Conceitos e formas: uma reflexão sobre as possibilidades da construção de conceitos históricos em mídias audiovisuais". Anais Eletrônicos do IV Simpósio Nacional de História Cultural.

13 de setembro de 2010

Ampla pesquisa histórica em "O Velho, a história de Luiz Carlos Prestes"

Ao assistir ao filme O Velho, a história de Luiz Carlos Prestes o espectador percebe a presença de uma variada gama de imagens, de diferentes assuntos e temporalidades. A variedade de imagens de arquivo, de filmes, imagens inéditas, depoentes e temas tratados, indicam uma “ampla pesquisa” durante sua realização. Esse fato, em si, seria suficiente para considerar que fora um documentário bem feito, com preocupações em abordar o tema de maneira profunda e séria. No entanto, a realização de uma “ampla pesquisa” não define, claro, a qualidade do filme, mas uma prática de pesquisa.

A história contextual narrada pelo documentário apresenta a clássica explicação: da Revolução de 30, Estado Novo, suicídio de Vargas, governo otimista de JK1, governo curioso de Jânio, movimento conturbado com Jango, AI-5 como exacerbação da ditadura2, luta armada a favor da democracia. No entanto, esses “fatos” são vistos como inquestionáveis. São tratados na tela como dados da realidade e não frutos de processos de construção de interpretações históricas. O procedimento de pesquisa adotado para o filme lida com os fatos como dados a priori, desconsidera a complexidade do processo de construção de abordagens históricas, de construção de fatos. E desconsidera o próprio processo de construção de interpretações históricas do qual o próprio filme é parte. Aqui, os “documentos” levantados na pesquisa foram utilizados como dados recebidos e encaixados numa narrativa como se esses dados, e esse processo, não fossem parte de uma “operação”: um momento de manipulação e elaboração de uma argumentação.

O levantamento para o filme foi grande, até em função do próprio tema e da proposta de abarcar um longo processo histórico, no entanto, levantar documentos, organizar, selecionar, não significa simplesmente “recolher” prontos tais documentos, mas produzi-los. A postura diante da pesquisa de temas históricos demonstra um procedimento dentre muitos outros possíveis. Demonstra a concepção dos realizadores e as escolhas possíveis de um determinado modo de fazer. Essa mesma postura, que desconsidera o processo de produção das explicações históricas, é semelhante à postura de desconsiderar o processo de produção de imagens. Assim, tanto fatos quanto imagens foram tratados nesse filme como se não tivessem passado por processos de produção.

28 de agosto de 2010

Ficções imaginadas e Ficções documentadas: notas para pensar filmes com temática histórica

            Um filme com temática histórica não é apenas um filme ficcional. Ele é também um filme ficcional.
Um filme histórico pode ser uma forma de interpretação do passado. E na sua linguagem procura criar elementos para que o espectador perceba sua história como verdadeira. Esses elementos podem estar no próprio filme ou podem ser extra-filmicos. Em geral, um dos elementos extra-fílmicos que contribuem para essa percepção e faz parte da elaboração do discurso do filme é a referência ao processo de pesquisa histórica, que pode ser considerada uma etapa criativa na elaboração do filme. Os procedimentos de elaboração de uma ficção pautada em documentação trazem problemáticas próprias e desafios próprios. Ao refletir sobre eles percebemos que os processos criativos são diferenciados daqueles na qual a ficção é construída de maneira mais livre.
FONSECA, Vitória A. Ficções imaginadas e ficções documentadas: notas para pensar filmes com temáticas históricas (in mimeo)

17 de agosto de 2010

TESE DE DOUTORADO



DISSERTAÇÃO DE MESTRADO






As narrativas d’O Cineasta da Selva e a historiografia sobre Silvino Santos


No processo de construção de sentidos em filmes com temáticas históricas os realizadores empreendem o que podemos chamar de uma operação historiográfica tendo em vista que selecionam, fragmentam, relacionam idéias sobre o passado e, ao final, propõem pontos de vista sobre este passado. Para Robert Rosenstone, um documentarista realiza uma tarefa semelhante ao historiador: “...como o historiador cuja tarefa é descobrir maneiras de transformar tais vestígios em discurso histórico, os documentaristas devem fazer a mesma coisa” (ROSENSTONE, 2010, p.111). No entanto, o autor afirma que o resultado desse trabalho de construção dos sentidos históricos nos filmes tem preocupado muito pouco os estudiosos do tema. As reflexões e análises contidas no artigo "As narrativas d’O Cineasta da Selva e a historiografia sobre Silvino Santos" fazem parte de um trabalho mais amplo que discute as relações entre cinema e história no âmbito do processo da pesquisa histórica para roteirização de filmes com temáticas históricas, e, de certa maneira, estão situadas nessa zona lacunar a qual se refere Rosenstone.
Na análise do filme/ficção/documentário O Cineasta da Selva (Aurélio Michiles, 1997), foi possível observar, a partir dos procedimentos de pesquisa histórica, como foram incorporados ao filme os diversos discursos presentes na historiografia sobre o personagem Silvino Santos, um cineasta pioneiro que viveu na Amazônia no início do século XX.

FONSECA, Vitória A. As narrativas d’O Cineasta da Selva e a historiografia sobre Silvino Santos  Revista História, imagem e narrativas, n.11, out/2010 

Eus e olhares sobre os outros: relatos de Hans Staden e suas releituras cinematográficas

O historiador lida constantemente com um outro, distante no tempo e no espaço. Mas, o que é falar desse outro? Quem é o outro? E quem é esse eu que fala de um outro? [...]

Não é apenas o historiador que se aventura nas searas das temporalidades. Existem diversas formas artísticas e culturais que tem como personagens esses outros distantes no tempo, e também no espaço. O cinema é um desses meios que algumas vezes tomam como foco a alteridade do passado. No entanto, nem a história, nem o cinema, ou melhor, nem um historiador nem um cineasta conseguem apagar as marcas do próprio discurso e do próprio fazer. E o outro do qual parece se falar não é o outro do qual se fala. Há uma dinâmica intrincada entre o autor e o relato, entre os eus e os outros nesse processo de representação/interpretação do passado.

FONSECA, Vitória A. Eus e olhares sobre os outros: relatos de Hans Staden e suas releituras cinematográficas

Filme histórico: gênero ou diálogos?

“Dúbio devido à sua real ausência, inacessível embora intimamente conhecido, o caráter do passado depende de como – e de quando – é conscientemente apreendido”

O filme histórico, por sua própria característica não pode ser analisado dentro de uma única tradição, ou gênero cinematográfico pois estabelece uma série de diálogos que não podem ser ignorados. Diálogos tanto com outros filmes, outras artes, pintura, teatro, literatura, e com a historiografia de diversas épocas. Assim, carrega também diversas temporalidades: tanto está impregnado pelo presente, como também pode ter referencias a diversos passados.





Pesquisa histórica e cinema: O cangaço inovador do filme Baile Perfumado

No filme Baile Perfumado (Paulo Caldas e Lírio Ferreira, 1996), Lampião, ao contrário de uma imagem de “revolucionário”, tem anseios “burgueses”; ao contrário de um movimento conservador, o cangaço dialoga com a modernidade tecnológica, com o mundo contemporâneo, mesmo tendo sido destruído por esse mundo. No Baile, Lampião, e seu bando, não são vítimas do sistema, não são o resultado de uma sociedade injusta, a qual se opõem, mas, ao contrário, fazem parte dela. São um poder na disputa social: Lampião é o “governador do sertão”.

Esse filme apresenta interpretações historiográficas inovadoras que não estão dissociadas das pesquisas históricas empreendidas pelo consultor do filme, Frederico Pernambucano. E é interessante perceber como no filme esse diálogo estabelecido entre cineastas e pesquisador resultou em uma obra, ao mesmo tempo cinematograficamente genial e historicamente interessante.





O Velho: o ponto de vista na primeira cena

As primeiras cenas de um filme podem ser extremamente significativas para compreender o seu desenrolar. O Velho, a história de Luis Carlos Prestes (Toni Venturi, 1997) começa com sons de picaretas e, numa imagem noturna, vemos homens que cerram e furam um muro. É a queda do Muro de Berlim.

A explicação do passado é, na maior parte das vezes, marcada por acontecimentos do presente. O historiador François Furet, por exemplo, refere-se ao estudo da Revolução Francesa marcada pela Revolução Russa. "Tudo se altera com 1917. Visto que a revolução socialista tem finalmente um rosto, a Revolução francesa deixa de ser um modelo para um futuro possível, desejável, esperado, mas ainda sem conteúdo. Tornou-se a mãe de um acontecimento real, datado, registrado, que é Outubro de 1917".( FURET, François. 1988, p.20)

1917 muda 1789. E 1989 muda 1917. Os acontecimentos do presente transformam as concepções do passado. Toni Venturi, o diretor do filme, tinha o interesse de fazer um documentário sobre a vida de Prestes antes da Queda do Muro de Berlim. No entanto, o projeto não foi realizado. Perguntado sobre as diferenças entre o projeto inicial e o que se concretizou, Venturi pontuou duas questões importantes. Quando retomou o projeto em 1993, Luiz Carlos Prestes já havia morrido. E, além disso, o muro de Berlim havia caído. Esses dois eventos modificaram a natureza da obra. A imagem de Prestes no documentário é muito marcada pelo momento em que foi realizado, marcado também pelas disputas em torno da sua memória.

A partir da análise das primeiras imagens do filme podemos indicar e perceber o posicionamento dos autores do filme. Fala-se sobre algo que começa em 1917 e “cai” em 1989. A vida de Prestes, que foi profundamente marcada pelo ideário comunista, também “começa” no início do século XX e termina em 1990. A Queda do Muro, e tudo que representou, foi marcante nas abordagens desse filme.

Vale a pena conferir e observar como o documentário traz um posicionamento e constrói um ponto de vista particular a respeito do assunto que trata.

Artigo publicado no Jornal Estado (MT)

Memórias Clandestinas, histórias não contadas

Muito do que conhecemos sobre o passado, seja ele regional, nacional ou mundial, conhecemos porque foram narradas historias a seu respeito e, de alguma maneira divulgadas para que pudéssemos conhecer. Nesse processo de criação de memórias, muitas histórias são repetidas e repetidas ao longo dos anos, e muitas outras histórias ainda não foram conhecidas, seja porque não foram escritas ou não foram divulgadas.
No que diz respeito à história recente brasileira dos últimos sessenta anos há ainda muito o que ser contado, analisado e refletido. O documentário Memórias Clandestinas, de Maria Thereza Azevedo, contribui com esse processo de dar visibilidade às histórias não narradas.
Alexina Crespo, uma senhora que passa dos seus oitenta anos, mora em Recife, Pernambuco, e tem uma vida comum. Tem seus filhos, netos e bisnetos. Quem a vê andando pelas ruas não imagina a história invisível e as experiências de vida que carrega em suas memórias.

MAIORES INFORMAÇÕES SOBRE O DOCUMENTÁRIO: vitoria.azevedo@gmail.com

Historiografia e cinema nas aulas de História: caso de Carlota Joaquina

O cinema tem sido uma linguagem importante nos processos de ensino-aprendizagem. O artigo "Historiografia e cinema nas aulas de História" propõe a utilização de filmes no ensino de História a partir da comparação entre linguagens: a linguagem historiográfica, ou textual, e a linguagem cinematográfica.

Ao comparar as diversas fontes de “inspiração” para o filme com o próprio filme foi possível perceber de que maneira foram construídas as interpretações históricas em Carlota Joaquina, a princesa do Brazil (Carla Camurati, 1995) e compreender que tanto filme quanto texto são linguagens que trazem pontos de vista historicamente datados.

Assim, é possível problematizar o processo de construção de interpretações históricas e demonstrar que o historiador, da mesma maneira que num filme, constrói a sua visão da história a partir das particularidades do seu lugar social, guardadas as devidas diferenças. Desta forma, o discurso fílmico pode ser trabalhado juntamente com o discurso historiográfico nas aulas de História.


FONSECA, Vitória A. Historiografia e cinema nas aulas de História: análise do filme Carlota Joaquina, a princesa do Brazil

Folclore em imagens: o documentário como uma forma de preservação e divulgação da cultura popular

Nada substitui a experiência viva de participar de uma manifestação cultural ou folclórica. Mas, o registro em imagens e sons e a produção de documentários sobre as diversas formas de manifestações culturais podem contribuir tanto para o processo de divulgação e valorização das mesmas quanto para a construção de registros documentais valiosos.

O documentário, com as suas dimensões audiovisuais, tem uma linguagem dinâmica que aguça os sentidos de quem os vê e é bastante apropriado para abordar o tema da cultura popular. Através das dimensões sonoras, o documentário pode trazer explicações, músicas, sons. Através das suas dimensões visuais, principalmente as imagens em movimento, pode registrar gestos, movimentos, cores, danças, configurando assim um suporte de registro da cultura popular extremamente rico e instigante.

O projeto Folclore em Imagens, idealizado pelo Núcleo Audiovisual da Comissão Espiritosantense de Folclore para documentar e difundir, através de uma série audiovisual, as manifestações culturais do Espírito Santo, configura-se tanto em função do produto final editado quanto das imagens brutas produzidas, em um rico acervo documental das práticas culturais do estado.

FONSECA, Vitória A. Folclore em imagens: o documentário como uma forma de preservação e divulgação da cultura popular (in mimeo)


Vídeos do Folclore em imagens: 1 – Bandas de Congo do Espírito Santo; 2 – Panelas de Barro de Goiabeiras ; 3 – Ticumbi o baile de congos de São Benedito; 4 – Folia de Reis; 5 – O Roubo da Bandeira; 6 – Festa da Penha e suas tradições; 7 – Artesanato de conchas no Espírito Santo; 8 – Muqueca e torta capixaba; 9 – Reis de Boi do Espírito Santo; 10 – Mandioca: A rainha do Brasil. Todos os vídeos tiveram: Supervisão executiva: Fernando Pignaton. Vinheta animação: Glauber Vianna. Música: “Maracongo” Jaceguay Lins. Capa: Ivan Alves. Narração: Geisa Ramos. Produzido pelo Núcleo Audiovisual. Direção e Roteiro: vários.