28 de setembro de 2010

Conceitos e formas: possibilidades de construção de conceitos históricos em mídias audiovisuais

O debate sobre a inventidade da escrita histórica, e sua linguagem, abre espaço para refletir sobre outras formas de expressão de saberes históricos para além dos textos escritos. Tomando como base as reflexões de Peter Gay (GAY, 1990) que defende a íntima relação entre o estilo do historiador e a sua compreensão da história e associando às reflexões de Noel Burch (BURCH, 1992) que defende que o tema de um filme pode gerar formas, que forma e conteúdo não estão separados, analiso algumas possibilidades de escrita da história, a partir do cinema, tomando por base filmes brasileiros contemporâneos que abordam algum tema historiográfico.
Os elementos ficcionais não estão dissociados dos conceitos históricos que norteiam um filme. Para levantar essa reflexão e indicar uma linha de experimentação do meio audiovisual como forma de construção de conceitos históricos, levanto alguns exemplos em filmes que, se não podem ser tomados como exemplos acabados, podem indicar algumas possibilidades para o debate.
Dentre os exemplos analisados estão a narrativa fragmentada e os vários personagens em Sonhos Tropicais (André Sturn, 2002), o papel do cenário como espaço da memória em Cineasta da Selva (Aurélio Michiles, 1997), a montagem paralela e a mudança política em Mauá, o imperador e o rei (Sérgio Resende, 1999), o movimento de travelling como passagem de tempo em Carlota Joaquina, a princesa do Brazil (Carla Camurati, 1995), a cena “congelada” e o processo de criação de memória em Narradores de Javé (Eliane Caffé, 2004), o travelling circular e o círculo social em Baile Perfumado (Paulo Caldas e Lírio Ferreira, 1996) e, por último, a dramaticidade do segundo plano em O ano em que meus pais saíram de férias (Cao Hamburguer, 2006).
Não defendo a existência de uma linguagem pré-estabelecida e decodificada do cinema. As soluções encontradas e incorporadas em cada filme estão de acordo com as suas especificidades e fazem sentido no seu contexto. Levanto a questão como uma reflexão sobre a possibilidade de unir a linguagem cinematográfica e a construção de conceitos históricos de maneira criativa.

FONSECA, Vitória A. "Conceitos e formas: uma reflexão sobre as possibilidades da construção de conceitos históricos em mídias audiovisuais". Anais Eletrônicos do IV Simpósio Nacional de História Cultural.

13 de setembro de 2010

Ampla pesquisa histórica em "O Velho, a história de Luiz Carlos Prestes"

Ao assistir ao filme O Velho, a história de Luiz Carlos Prestes o espectador percebe a presença de uma variada gama de imagens, de diferentes assuntos e temporalidades. A variedade de imagens de arquivo, de filmes, imagens inéditas, depoentes e temas tratados, indicam uma “ampla pesquisa” durante sua realização. Esse fato, em si, seria suficiente para considerar que fora um documentário bem feito, com preocupações em abordar o tema de maneira profunda e séria. No entanto, a realização de uma “ampla pesquisa” não define, claro, a qualidade do filme, mas uma prática de pesquisa.

A história contextual narrada pelo documentário apresenta a clássica explicação: da Revolução de 30, Estado Novo, suicídio de Vargas, governo otimista de JK1, governo curioso de Jânio, movimento conturbado com Jango, AI-5 como exacerbação da ditadura2, luta armada a favor da democracia. No entanto, esses “fatos” são vistos como inquestionáveis. São tratados na tela como dados da realidade e não frutos de processos de construção de interpretações históricas. O procedimento de pesquisa adotado para o filme lida com os fatos como dados a priori, desconsidera a complexidade do processo de construção de abordagens históricas, de construção de fatos. E desconsidera o próprio processo de construção de interpretações históricas do qual o próprio filme é parte. Aqui, os “documentos” levantados na pesquisa foram utilizados como dados recebidos e encaixados numa narrativa como se esses dados, e esse processo, não fossem parte de uma “operação”: um momento de manipulação e elaboração de uma argumentação.

O levantamento para o filme foi grande, até em função do próprio tema e da proposta de abarcar um longo processo histórico, no entanto, levantar documentos, organizar, selecionar, não significa simplesmente “recolher” prontos tais documentos, mas produzi-los. A postura diante da pesquisa de temas históricos demonstra um procedimento dentre muitos outros possíveis. Demonstra a concepção dos realizadores e as escolhas possíveis de um determinado modo de fazer. Essa mesma postura, que desconsidera o processo de produção das explicações históricas, é semelhante à postura de desconsiderar o processo de produção de imagens. Assim, tanto fatos quanto imagens foram tratados nesse filme como se não tivessem passado por processos de produção.