Trajetória



Minha relação com o cinema não surgiu como um interesse, mas como uma presença. Quando nasci, em 1976, meus pais trabalhavam em produções cinematográficas. Curiosamente, quando tinha menos de um ano de idade, minha mãe, e meu pai, trabalhavam no fatídico Batalha dos Guararapes, filme que nunca vi mas sobre o qual ouço muitas histórias. Meus jovens pais trabalhavam como assistentes: ele, assistente de fotografia e ela, assistente de figurino.
O curso de História entrou na minha vida em função de um vago interesse por “cidades medievais”, urbanismo e prédios antigos, que gostava de fotografar. A certeza de que continuaria neste caminho surgiu quando já cursava a faculdade de História da Universidade Estadual de Campinas. Os primeiros meses foram marcantes e chocantes: os cursos com Alcir Lenharo, Margareth Rago, Pedro Paulo Funari, Paulo Miceli, Carlos Galvão e Leandro Karnal despertaram o meu interesse para um mundo totalmente desconhecido. E a cada ano eu ficava ainda mais envolvida.
O meu primeiro interesse de pesquisa foram as “cidades medievais”, que rendeu um trabalho de final de curso. No entanto, essa idéia não vingou. Posteriormente, pensei em pesquisar o ensino de história, o que também não teve continuidade, na época. Depois, comecei a cogitar estudar a questão urbanística aliada à história regional o que rendeu um estudo dirigido sobre os primeiros focos urbanos da cidade de Piracicaba, com o memorável professor Amaral Lapa. Com ele fiz parte de um projeto de pesquisa sobre uma antiga residência de Campinas, na condição de bolsita.
A idéia de pesquisar filmes históricos surgiu, se bem me lembro, quando lia um artigo de José Geraldo Couto, sobre o filme A Guerra de Canudos, no qual questionava a estética do filme ao representar a história.  Isso foi em meados de 1997. A partir de então comecei a me interessar por filmes históricos.
A idéia tomou corpo por volta de fins de 1998 e virou um projeto de Monografia. Nela analisei os filmes Guerra de Canudos e Independencia ou Morte comparando os seus aspectos semelhantes em termos de narrativas clássicas, orientada pelo professor Leandro Karnal. Se na monografia estava preocupada em analisar dois temas diferentes mas abordados de formas semelhantes, no mestrado procurei observar como dois temas semelhantes foram abordados de formas diferentes.
Fui selecionada para o mestrado ao concluir a graduação, em 2000. O projeto de mestrado, sobre os filmes Carlota Joaquina, a princesa do Brazil e Independência ou morte foi desenvolvido no Departamento de História da Unicamp, sob orientação do professor Leandro Karnal, com bolsa de pesquisa da Fapesp.
Durante a graduação e mestrado, em função, inicialmente, do meu interesse por cinema e fotografia, e posteriormente em função das pesquisas, procurei fazer vários cursos de aprofundamento. Cursei disciplinas no departamento de Multimeios da Unicamp e participava dos encontros da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema, Socine. Durante a graduação, também organizei um cineclube que exibia filmes “clássicos” da história do cinema mundial. Esses contatos diversos, além do que o curso de História oferecia, foram muito importantes para minha formação.
A minha participação em eventos organizados pela Anpuh começou em 1999, como ouvinte. No ano seguinte, participei na Anpuh regional de São Paulo, do mni curso com Eduardo Morettin, aliás, momento importante na minha trajetória pois Morettin ajudou muito indicando bibliografia e metodologias para o tratamento de filmes. Também participei da Socine, como ouvinte.
Minha primeira apresentação em evento científico foi na Anpuh de 2001, na UFF, na qual coordenei a Comunicação Coordenada “Cinema e História: o filme enquanto discurso político”. Nesse evento participei do mini curso “História e Linguagens” também importante em função do contato (momentâneo) com o professor Alcides Freire Ramos e com suas idéias.  Nesse mesmo ano, apresentei meu primeiro trabalho na Socine, intitulado “Cinema e História: as representações da história nos filmes Independencia ou morte e Carlota Joaquina, a princesa do Brazil”.
A partir da observação de Eduardo Morettin sobre um ponto do meu mestrado, que seria a comparação entre filme e “historiografia”, comecei a pensar em aprofundar nesse estudo. Ao refletir sobre isso surgiu a idéia do projeto de doutorado: observar como esse diálogo entre filmes e historiografia ocorria durante o processo de produção do filme. A idéia foi ganhando corpo e comecei a formatar o projeto de doutorado.
Enquanto esperava algum caminho a seguir, fiz alguns cursos. Um curso de produção de cinema com a produtora Malu Oliveira, no Stein Produções, em São Paulo. Nesse curso pude ter um contato mais direto com a prática da produção cinematográfica. Também participei do Seminário Panorama da Nouvelle Vague e o Cinema Francês Contemporâneo com o professor Jean Marie promovido pelo Departamento de Multimeios da Unicamp.
Surgiu a possibilidade da seleção de doutorado no Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. Assim, comecei a preparar o projeto que, posteriormente foi selecionado. Iniciei o curso em 2004, sob orientação da professora Ana Maria Mauad.
No primeiro semestre do doutorado participei do curso com Roger Odin Do documentário à leitura documentarista: uma abordagem semio pragmática, realizado na Unicamp. A partir daí comecei a utilizar algumas categorias de análise propostas por Odin.
Ao longo do doutorado tive oportunidade de conhecer o professor John Mraz com quem tive conversas bastante instigantes. Em minha permanência no Rio de Janeiro, pude participar de alguns eventos significativos tais como assistir a uma palestra de Robert Rosenstone, ouvir Marc Ferro e novamente Jean Marie. Na apresentação de Robert Rosenstone, um diálogo estabelecido entre ele e o professor João Luiz Vieira foi emblemático. Vieira perguntou o que Rosenstone achava de um determinado filme brasileiro a que Rosenstone respondeu não poder emitir opinião por não conhecer a História brasileira. Vieira imediatamente retrucou dizendo que ele não precisava conhecer a história de um país para analisar um filme. Ora, mas claro, cada um fala do seu lugar. Vieira preocupa-se com o filme na sua materialidade. Rosenstone preocupa-se com os significados historiográficos do filme e o seu lugar em relação a outras interpretações.
Em fins de 2004, participei do XVII Encontro Regional de História (Anpuh/SP) com a apresentação do resultado da pesquisa de mestrado, o trabalho “O lugar da história no cinema: a pesquisa histórica em Carlota  Joaquina”. Nesse mesmo ano, participei do XI Encontro Regional de História (Anpuh/Rio), apresentando o meu projeto de doutorado. Também participei da Socine em Recife, apresentando a comunicação: “Adaptações históricas: a pesquisa em Baile Perfumado e O Cineasta da Selva”. Ocasião em que pude pesquisar levantar dados sobre o filme Baile Perfumado e entrevistar o cineasta Fernando Spencer.
Durante o ano de 2005, dei continuidade às entrevistas para a pesquisa. Essas entrevistas foram ajudando a aperfeiçoar a abordagem do doutorado, confirmando ou descartando algumas idéias.
Durante o XXIII Simpósio Nacional de História, em Londrina, tive uma experiência marcante para o desenrolar da minha pesquisa. Na minha apresentação sobre o que estava desenvolvendo no doutorado, fui muito questionada por uma pessoa da área de comunicação. Ela questionou, de maneira veemente, os meus objetivos. Expliquei, acredito que de forma satisfatória, mas, no entanto, posteriormente comecei a questionar profundamente a relevância do que eu estava fazendo. Cheguei a mudar os rumos e percorrer outros caminhos... Fui salva pela minha orientadora quando chamou a atenção para o meu objetivo inicial presente no projeto. Eu não precisava ir longe, bastava executar o projeto.
Se por um lado, esse simpósio causou muita ansiedade pois dele também participaram pesquisadores de cinema, por outro lado, a partir das apresentações que assisti, e dos debates que presenciei, pude refletir que o filme histórico, e suas implicações, não fazem parte das preocupações da maior parte dos pesquisadores de cinema. Isso eu já tinha observado, por exemplo, no debate que presenciei entre Robert Rosenstone e João Luiz Vieira, citado acima. A diferença dos dois pontos de vista marcavam dois campos de abordagem e nesse jogo eu me posiciono de um lado: eu não escolho os filmes em função da qualidade estética, mas em função do que representa e do que é representado historicamente.
 No ano seguinte, 2006, deixei de participar de eventos científicos até que definisse e consolidasse a minha pesquisa. Participei apenas do XII Encontro Regional “Usos do Passado”. Esse ano foi o momento de me concentrar em organizar o material que possuía, visando a qualificação. Depois, veio a defesa, uma batalha, em 2008. (Cinema na história e a história no cinema: pesquisa e criação em três experiências cinematográficas no Brasil dos anos 1990)
E depois do doutorado? Momento de reflexões, rupturas, reestruturações, pausas, fissuras...
Atualmente (2011), tenho retomado minhas reflexões direcionando para o desenvolvimento de pesquisas na área de ensino de História e o cinema. 


TESE: FONSECA, Vitória A. Cinema na história e a história no cinema: pesquisa e criação em três experiências cinematográficas no Brasil dos anos 1990